quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A Lagoa do Imaruí nas palavras do pescador


   MAIS UMA NOITE VEM CHEGANDO. É HORA DE PEGAR A TARRAFA, BUSCAR O BARCO ENTRAR NA LAGOA. HORÁRIO PARA VOLTAR? NÃO TEM. ANTES DE IR , ENGOLE UM PUNHADO DE PIRÃO, TOMA UM GOLE DE CAFÉ, SE DESPEDE DA MULHER E DESCE O BARRANCO EM DIREÇÃO AO PORTO. O ESCURECER DA NOITE, QUE CAI AOS POUCOS, FAZ BROTAR UMA PONTA DE SAUDADE NO PEITO DO HOMEM DE CALÇAS DOBRADAS.

   PONTOS DE LUZ INDICAM QUE ALGUNS COMPANHEIROS JÁ ESTÃO NA ÁGUA. SÃO BATERIAS E LIQUINHOS QUE ILUMINAM A LAGOA DO IMARUÍ PARA A PESCA DO CAMARÃO. ANTIGAMENTE, NUMA NOITE COMO ESSA, NÃO SE SABIA DIZER O QUE ERA CÉU E O QUE ERA MAR. MAL DARIA PARA DISTINGUIR A CLARIDADE VINDA DA CANOA DO REFLEXO DAS ESTRELAS. PARA QUEM A VIDA INTEIRA SÓ SOUBE PESCAR, A ESCASSEZ DOS PEIXES É UMA PREOCUPAÇÃO QUE NÃO SAI DA CABEÇA.

UMA VIDA DE LUTAS

   “Bom era o tempo que a gente pescava com tarrafa de tucum", comenta Seu Debá com um parceiro. Pescador desde criança, Aderbal Vasconcelos Silveira, 58 anos, o Seu Debá, traz na lembrança os dias em que bastava uma tarrafada de cima das pedras para garantir o almoço e a janta da família inteira. E às vezes ainda sobrava para o outro dia.

   Naquela época os pais dele, Seu Gercino e Dona Adelícia, sustentavam os seis filhos exclusivamente com a pesca e a lavoura. As tarefas eram divididas. Para que não faltasse alimento, enquanto umas crianças saíam com os pais para a roça, outras tomavam conta da casa e buscavam lenha.

   As tarrafas eram confeccionadas com a palha do tucum, uma palmeira encontrada no interior de Imaruí. O material era desfiado nas chamadas roda de fuso por mulheres pagas especialmente para esse trabalho. Com a malha nas mãos, ainda menino, ele saía de casa para pegar camarão na praia, como os pescadores chamam a orla da lagoa.

   Mesmo com medo de ser flagrado pela fiscalização, era preciso arriscar. No tempo em que só era permitido tirar carteira profissional após os dezoitos anos, a obediência aos pais tinha um peso maior. Se não pescasse, ficaria sem comer.


Aderbal Vasconcelos Silveira é pescador aposentado e mora na comunidade Praia do Lessa, em Imaruí

TEMPOS DE FARTURA

   Houve uma época na Lagoa do Imaruí que os pescadores "faziam espera". Eles se reuniam em grupos, compostos por cerca de 10 homens, e saíam para "o mar". As canoas cercavam os cardumes e esperavam o momento oportuno para lançar as redes.

   De vez em quando recebiam uma ajudinha dos botos, que naquele tempo apareciam freqüentemente na lagoa. Com as embarcações abarrotadas os homens voltavam para o porto anunciando aos moradores que estavam chegando. Usavam uma aspa de boi para emitir um barulho e alertar. "Chegava na praia buzinando e distribuía o peixe pra mulher, criança, gente que vinha de carroça comprá".

   Montes de peixes eram formados embaixo das figueiras para distribuir ao povo. Em tempo de pesca farta os homens passavam as noites em ranchos na beira da lagoa para não precisar ir em casa e aproveitar mais o tempo pescando. Um dos locais lembrados pelo pescador é o rancho da Roça Grande, em Imbituba. "Ah, parava um monte de gente, a gente ria muito".

   Os compradores, geralmente donos de salga, galpões onde os frutos do mar eram preparados, situavam-se em pontos estratégicos para adquirir o pescado. Alguns percorriam a lagoa de canoa para comprar camarão e peixe fresquinho e levar para vender. O produto também era entregue aos atravessadores que distribuíam para as grandes cidades.

Um comentário:

Layse Rezende disse...

Essa é apenas uma amostra da entrevista que fiz com o seu Debá para meu projeto de jornal.
É triste perceber que histórias como essa estão se transformando apenas em lembranças para os pescadores e em imaginação para os jovens filhos de Imaruí.